24 – O retorno de Saturno

Um pouco de astrologia (e de Legião Urbana) não faz mal a ninguém

A astrologia diz que a posição em que os planetas se encontram no momento do nosso nascimento determina de certa forma como será nossa personalidade e nosso caráter, já que os astros exercem grande (ou total?) influência sobre nós. A vida é composta de ciclos e os ciclos, segundo os astrólogos (a grosso modo), nada mais são do que as volta que os planetas têm que dar em torno de suas órbitas para retornarem à posição inicial em que estavam no momento do nosso nascimento. Assim, por exemplo, quando fazemos aniversário estamos completando um ciclo e começando outro, pois é o momento em que o Sol (após a Terra ter dado uma volta completa em torno dele) retorna à mesma posição que se encontrava na hora em que nascemos. Deu pra entender mais ou menos? Sou só um leigo tentando falar sobre um assunto que tem me encantado.

Saturno

O planeta Saturno sempre exerceu grande fascínio sobre mim. O nome me soa fascinante , a cor marrom-alaranjada, os anéis... Esse planeta demora mais ou menos vinte e nove anos para dar a volta completa em torno do Sol. E sendo assim, demora vinte e nove anos para voltar à posição original em que se encontrava no momento em que nascemos. Quando essa volta se completa (o chamado Retorno de Saturno), significa que estaremos iniciando um novo ciclo muito importante em nossas vidas. Uma nova etapa em que teremos que amadurecer, caminhar com as próprias pernas, tomar as rédeas de nosso destino. Saturno é o regente da responsabilidade, da maturidade, da autoridade e do pai. Ao completar seu primeiro ciclo, o planeta dos anéis “exige” que tomemos decisões e façamos escolhas absolutamente determinantes para nosso futuro. E que arquemos com elas.




Na verdade até pouco tempo eu não conhecia quase nada sobre o que escrevi acima. Numa das longas conversas via MSN com minha amiga Veri, ela perguntou se eu sabia do que se tratava o Retorno de Saturno. Eu disse que não, mas que tinha ouvido falar disso na música “Vinte e Nove” do Legião Urbana. Aí ela me explicou e fez com que uma crescente curiosidade sobre o tema e sobre a astrologia se despertasse em mim. Antes da conversa eu já queria terminar o blog mencionando essa música do Legião em homenagem à banda que mais ouvi na adolescência  e por encontrar alguns paralelos entre a letra da canção e as coisas que eu vivi antes e depois desses vinte e nove dias que passei na estrada.

* * *


29/05/2010

Saímos de Floripa por volta das oito horas da manhã. Até São Paulo seriam mais de setecentos quilômetros. Marcel ia ficar na capital paulista pra ver o show do Aerosmith e eu partiria de ônibus pra Araraquara. Nos revezamos ao volante durante a longa jornada. Na maior parte do caminho o céu permaneceu nublado. Passei o tempo todo remoendo os fatos, sentindo uma saudade estranha que misturava a saudade de voltar à rotina com a saudade antecipada da viagem que estava prestes a terminar.
Marcel me deixou no terminal rodoviário do Tietê cerca de oito e meia da noite. Demos um abraço de missão cumprida, nos olhamos transmitindo gratidão e amizade verdadeira e pensamos ao mesmo tempo: os “veintinueve días en un coche...” estão chegando ao seu final, mas nasce aqui uma irmandade eterna.
Eu estava cansado, mas não consegui pregar o olho durante a viagem de ônibus de São Paulo a Araraquara. Pensamentos iam e vinham, sentimentos novos surgiam, antigas sensações se repetiam.


O fato é que em 2010, no ano em que eu completaria 29 anos, depois de perder alguns amigos e um amor num 2009 péssimo, fiz uma viagem de 29 dias que terminou no dia 29 de um mês qualquer. No ano em que mais refleti e mais sofri pelos meus desacertos fiz uma  viagem de aventura e redenção. Viagem pra fora, é certo, mas viagem muito mais pra dentro.
Pensando nos meus pecados, nos meus erros, uma mensagem vinda não sei de onde me dizia recorrentemente: é hora de dar a volta; é hora de se reencontrar. E acho que comecei a fazer isso a partir dessa viagem.

Acredito realmente que a Trip Born To Be Wild simboliza o momento inaugural de um novo ciclo no qual terei (e estou tendo) que encarar certos fantasmas e exorcizá-los. Muita coisa ruim aconteceu, é verdade, mas aprendi a tirar lição de qualquer desgraça e a colher de bom grado o que vier. O bom agricultor, porém, semeia sempre, mesmo num momento de colheita, como esse. Não há descanso para quem procura a verdade. Estou longe de obter esse logro, mas continuo e continuarei sempre a buscar. E um dia acabo encontrando.


Vinte e nove
(Renato Russo)

Perdi vinte em vinte e nove amizades
Por conta de uma pedra em minhas mãos
Me embriaguei morrendo vinte e nove vezes
Estou aprendendo a viver sem você
(Já que você não me quer mais)

Passei vinte e nove meses num navio
E vinte e nove dias na prisão
E aos vinte e nove, com o retorno de Saturno
Decidi começar a viver.

Quando você deixou de me amar
Aprendi a perdoar
E a pedir perdão.
(E vinte e nove anjos me saudaram
E tive vinte e nove amigos outra vez)



URBANA LEGIO OMNIA VINCIT



Desculpem os erros de português. Tentei caprichar, mas sempre passa alguma coisa.

Muito obrigado por terem lido o blog, por terem me incentivado, por terem feito comentários!

Outros dias na estrada virão. E outros Blogs também.

Abraços

FIM


23 – Florianópolis, eu já fui prefeito de lá!

CURIOSIDADE: Quando estudava na terceira série, no SESI de Araraquara, a tia Zulmira, minha professora, fez com que cada aluno escolhesse uma cidade para, no "faz-de-conta", ser prefeito. Eu, que sentava na quarta carteira da primeira fileira, escolhi Florianópolis. Arranjei o mapa da cidade e fiz vários projetos de melhoria. Até que me destaquei e acho que eu seria um bom político se mantivesse a gana que demonstrei naquele longínquo ano de 1991. Mas infelizmente, quando adulto, deixei de me emocionar. E pra fazer política de verdade é preciso paixão.

27/05/2010

     Certamente seria melhor conhecer a bela Florianópolis em uma época de calor. O próprio Ênio (amigo de colégio do Marcel, que nos recebeu e nos deu pouso em sua casa) disse isso. Disse várias vezes: “vocês têm que vir no verão, em maio a cidade tá às moscas”. Mas nossa passagem pela Floripa vazia e gelada foi ótima. Melhor assim, mais fácil pra se locomover, pra ir de praia em praia, pra conhecer os lugares. A massa humana que toma conta das cidades litorâneas no verão ofusca as paisagens, polui a visão (e a natureza, literalmente), gera conflitos e estresse.


* * *

     A viagem de Porto Alegre até Floripa foi longa, sob chuva, com trecho de estrada interditada. Foi foda. Pra variar, saímos depois do horário programado, pois o romântico Marcel quis levar flores à Carol, menina de Canoas (região metropolitana de PoA) que conhecemos no Café Tortoni em Buenos Aires, reencontramos num pub da Padre Chagas e depois num bar da Cidade Baixa em Porto Alegre...Enfim, acabamos saindo da capital gaúcha depois do almoço. Isso não foi tão mal, porque eu e Vlad pudemos dar mais umas voltas pelo centro velho da cidade. E dá-lhe frio, garoa, queda de resistência, gripe....
     Chegamos em Floripa quase nove horas da noite. Vlad, que seguiu nosso rastro de ônibus, chegou logo depois, perto da 23h00. Descarregamos as malas no belo apartamento do Ênio, tomamos um banho e fomos comer e beber num barzinho bem legal que fica ali pertinho. Passava algum jogo na TV fechada, mas como tivemos que sentar na parte de fora do bar, não pude ver direito quem jogava contra quem. O cansaço era tanto que depois de alguns copos de chopp da Brahma o sono veio avassalador e disfarçou a fome, que era grande.
     Quando a comida chegou, Marcel tirou seu aparelho móvel, embrulhou em um guardanapo, colocou-o num canto da mesa e partiu firme e agressivo pra cima da porção. Ênio e eu fomos na mesma toada do brother de modo que em poucos minutos o prato estava vazio. Pedimos outro e nesse meio tempo Vlad chegou de táxi, vindo da rodoviária.
     Conversa vai, conversa vem, chega copo cheio, sai copo vazio...Assim que pedimos a conta, o garçom tirou os pratos e limpou da mesa os guardanapos sujos, as sobras de batata frita, os copos, os talheres. O aparelho do Marcel acabou indo junto com essa tralha toda pro lixo. Quando ele percebeu o fato, foi aquela “nóia total”. E chama o garçom, e conversa, e explica. O cara se comoveu e decidiu procurar o objeto perdido nos lixos. E o danado acabou encontrando. Ufa!!!

OBS: Ninguém comentou de pegar alguma balada pós bar. Se alguém comentasse eu seria o primeiro a não topar. Eu só queria mesmo era encostar em qualquer lugar e dormir.




28/05/2010

     Pela primeira vez durante toda a viagem dei mais trabalho pra acordar do que o Marcel. A gripe equestre finalmente me alcançara. Todos os sintomas estavam presentes em mim, inclusive o sonho com cavalos. E pior, a tosse veio acompanhada de escarro com sangue. Sei que dá nojo, mas é necessário falar sobre isso para alertar futuros moribundos sobre esse novo sintoma.

     Marcel definiu um roteiro, pois já conhecia Florianópolis de outros carnavais, e lá fomos os três a bordo da pick up. Fizemos um passeio longo em torno da Lagoa da Conceição, parando em uma ou outra entrada de mar pra conhecer. Tudo estava completamente vazio, pois garoava e fazia muito frio. Tomamos um par de tragos num bar à beira da Praia da Joaquina, onde Vlad pôs os pés na água salgada do mar pela primeira vez em sua vida. Logo depois, nessa mesma praia, encaramos um sendboard, espécie de surf na areia (ver fotos). A trip tava acabando, então nos divertimos que nem criança, sem nos preocuparmos com o amanhã.
     
Praia da Joaquina

 Marcel estilo surfista e eu também, com um cabelo semi black-power, estilo Nação Zumbi (nossa, que viagem total...)

Vocês preferem apreciar a paisagem ou o tombo duplo dos brodi?

   Sujos de areia e úmidos, mas sem vergonha alguma de nossa aparência rota, sentamos num restaurante à beira-mar e apreciamos a famosa sequência de camarão. Deus do céu, tinha camarão de tudo quanto é tipo para experimentarmos, dos mais saborosos aos de aparência mais nojenta possível. Comemos quase tudo o que veio e tomamos algumas garrafas de cerveja. Durante a viagem toda, ficamos no máximo dois ou três dias sem bebermos nada. Caraca, como não voltar barrigudo e dependente (alcoólatra) duma trip dessa?
     Tiramos umas fotografias, compramos alguns presentes numas barraquinhas de artesanato, descansamos quase nada e já partimos pra conhecer a famosa praia Jurerê Internacional. Chegando no “pico”, uma chuva forte desabou e tivemos que ficar escondidos por uns trinta minutos embaixo do toldo de um quiosque. Além de nós, só havia na praia alguns nadadores profissionais que iriam participar de uma competição no final de semana. Já estávamos um pouco molhados, sujos e muito gripados, então decidimos entrar de corpo inteiro naquela água gelada e salgada. Nunca passei tanto frio na minha vida. E pra tentar me aquecer um pouco, voltei pro apê do Ênio na caçamba da caminhonete, encolhido, agarrado a uma toalha velha que cheirava mofo, meio que sonhando acordado...com cavalos, claro. A gripe equestre realmente havia me vencido.


Nossa, essa foto não merece estar aqui... (O Vlad é o figura do meio - Praia de Jurerê Internacional)

Carga viva. E esses óculos escuros? Já era noite, vacilão!


***

     Finalizamos o dia pegando uma balada “federal”. Mas eu estava tão quebrado que confesso: tenho pouco pra contar sobre as ocorrências da madrugada. Reinava sobre mim certo clima de fim de expediente, tipo aquele time de futebol que faz o último jogo do campeonato só pra cumprir tabela, pois já conquistara o título na rodada anterior. Só me resta agradecer de coração ao Ênio pela maneira como nos recebeu e me colocar à disposição caso ele queira vir pras bandas de Araraquara e Ribeirão Preto, cidades onde o sol realmente brilha mais forte. Que calor de fim de mundo tá fazendo por aqui!



22 - Porto Alegre: gessingers, scliars, quintanas e veríssimos

ITENS OBRIGATÓRIOS:
- A música dos Engenheiros do Hawaii (especialmente o CD Simples de Coração);
- Toda a poesia do poeta passarinho, Mário Quintana;
- A literatura fabulosa de Moacyr Scliar (especialmente O Centauro No Jardim, Mês de Cães Danados e O Exército de Um Homem Só);
- As obras épicas de Érico Veríssimo (comece por Um Certo Capitão Rodrigo).

26/05/2010


O que faz as pessoas ficarem curiosas para conhecer certas cidades? As belezas naturais, a arquitetura, a história? Há vários motivos, certamente, motivos muito pessoais. Minha curiosidade por Porto Alegre é antiga, mas não sei precisar o momento exato em que houve esse despertar. Não sei ao certo se tomei contato com a literatura e a música do Rio Grande do Sul após o desejo de conhecer a capital gaúcha      estar definitivamente instalado em mim, ou se esse desejo se instalou justamente após eu conhecer melhor e me deslumbrar com a arte (música, literatura e cinema) daquele local.

Ouvi Engenheiros do Hawaii e também Nenhum de Nós durante grande parte da minha adolescência. Hoje ouço de vez em quanto, geralmente dentro do carro, quando estou na estrada. Mas o som dessas duas bandas, sobretudo o da primeira, está impregnado em minha memória musical e colaborou muito para que minha curiosidade sobre o Rio Grande do Sul e especialmente sobre Porto Alegre se rompesse. O sotaque e o timbre inconfundíveis de Humberto Gessinger; suas letras às vezes forçadas, às vezes obscuras, mas sempre recheadas de informações e carregadas de diálogos e relações com obras literárias ou musicais; a melodia forte; a mescla da guitarra/baixo/batera do rock’n roll com a gaita ou o acordeon da música regional gaúcha. Tudo isso soa muito Porto Alegre, uma cidade à parte dentro de um estado que mais parece um país. 

Mais tarde, já nem tão adolescente, instigado pelo meu amigo Breno, conheci a literatura de Moacyr Scliar. Nem todos os livros que li desse autor gaúcho têm a cidade de Porto Alegre como cenário, mas os que se passam ali fazem com que qualquer leitor se sinta obrigado a conhecer o lugar. Aliás,  o Rio Grande do Sul é especialista em produzir jóias raras. É interessante ir pra lá pra tentar entender o que esse pedaço do Brasil tem de tão especial para produzir figuras extraordinárias como Mário Quintana, Érico Veríssimo, Daniel Galera (paulista criado em Porto Alegre cuja obra conheci depois de ter feito a viagem) e tantos outros grandes artistas.

MÁRIO QUINTANA

Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho
Eles passarão...
Eu passarinho!

Outros destaques da República Rio-grandense que devem ser mencionados: 

- os grandes jogadores/técnicos/árbitros de futebol;
- a maior rivalidade entre clubes no Brasil (Grêmio X Inter);
- as lindas modelos (inclusive as anônimas, do Gruta e do La Barca); 
- os grandes líderes políticos.  
- etc e tal.


Segue abaixo o trajeto a pé que fiz em 26/05/2010, das 10h00 às 18h00, pelas ruas de Porto Alegre, visitando vários dos principais pontos turísticos da cidade:                                                                              

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(clique sobre o mapa para vê-lo em tamanho maior)

Casa da Cultura Mário Quintana

“...O nosso caminho, Moinhos de Vento, Glória, Independência, a nossa Redenção...”

 (Trecho da letra de Por Acaso, canção de Humberto Gessinger, na qual ele cita nomes de bairros e parques de sua cidade natal, Porto Alegre.)



Parque da Redenção

Parque Moinhos de Vento


Grêmio 3 X 0 Avaí

À noite partimos de táxi para o jogo entre Grêmio e Avaí, cujos ingressos havíamos comprado no dia anterior. Só fomos eu e Marcel, pois Vlad se negou a pisar no estádio do maior rival de seu clube de coração. Eu estava com a camisa do Racing e meu brother com a camisa do SVX, o fantástico time amador formado por nós na época da natação do SESI de Araraquara. Scrath inesquecível aquele, éramos cruéis com os adversários. Manto sagrado o nosso: a camisa celeste em homenagem à seleção do Uruguay e consequentemente a toda América do Sul de língua española; o símbolo imitando o escudo do Grêmio, em homenagem à República Rio-Grandense.
Assistimos parte do jogo no meio da Geral, a barra brava gremista. A torcida do tricolor portoalegrense é realmente fantástica e diferenciada; o estádio Olímpico, realmente um caldeirão. A equipe da casa, que contou com a nossa torcida, ganhou o jogo facilmente  por 3 a 0, e pudemos ir tranquilos e felizes fazer a saideira na Cidade Baixa, um dos bairros mais boêmios de Porto Alegre.

                                                              No meio da Geral! 

O inesquecível SVX. A camisa celeste, o escudo em referência ao Grêmio.
Em pé: Ricardo, Diego, Nikiba e Rodrigo. 
Agachados: Fábio Barbo (o modesto craque e capitão do time), Carijó e Adriano
OBS: nesse dia, nosso goleirão Marcel não pôde comparecer.




Porto Alegre por Marcel Sigrist Somenzari, o Brother
(abaixo, na íntegra, o texto que meu mais que companheiro de viagem fez para falar de sua amada POA)

Minha POA querida


Muitas coisas passam pela minha mente ao recordar Porto Alegre e os momentos vividos naquele lugar. Lembro que tudo começou sem nenhuma pretensão, de forma ingenua e natural, como as melhores coisas que aparecem em nossas vidas, acho que justamente pelo fato de serem surpreendentes, inesperadas. E foi assim que, no início de 2003 conheci POA, em pleno Forum Social Mundial. Um par de dias naquele precioso lugar me fez entender que aquela cidade é especial, não só pela beleza natural, mas principalmente pela população que a habita. Pessoas hospitaleiras, acolhedoras, que tratam desconhecidos como amigos de longa data. E o que dizer da mulher de Porto Alegre? Bah; me desculpem pela pausa, mas um suspiro neste momento é mais do que natural; fiquei eternamente encantado pelas gurias. Não sei se foi o charme, a beleza, a sensualidade, a elegância, a simpatia, a inteligência. Talvez um feitiço que tenha deixado de vez meu coração no sul do Brasil. Nesse momento eu gostaria de ser um poeta como Pablo Neruda para poder expressar o que sinto e poder escrever uma ode a todas elas. Deixa pra lá, afinal sou um pobre plebeu. Fiquei pouco mais de uma semana, não pude aproveitar muito, poucas baladas, poucas amizades, muitos compromissos com o FSM, mas uma paixão enorme pelo lugar. E com esse sentimento no coração, prometi algum dia voltar ao paraíso.

Demorou um bocado de anos, mas retornei a terra natal de minha alma, e voltei com estilo, da melhor forma possível, em 2010 nesta que foi até o presente momento, a melhor viagem da minha vida, a Trip Born to be Wild. A melhor viagem não só pela realização de um sonho desde criança, pela aventura a bordo de um carro desbravando o Cone Sul, pelos lugares e pelas pessoas conhecidas, mas também pelo companheiro de viagem. Fabião, esse Sr. que está escrevendo o blog, que diga-se de passagem se revelou um ótimo escritor, é também um grande brother, daqueles poucos que ficam pra sempre em nossas vidas, que muito se aprende com ele. Foi uma viagem espetacular em grande medida pela companhia e pela amizade preciosa de Fabio Barbo.
E dessa forma regressei a POA, na companhia do brother corinthiano Fabiones. Desta vez tinha alguém para compartilhar todas as emoções que sentia. E não era só uma companhia, mas sim duas, com o ingresso de outro brother, o colorado Vladimir. E não foram poucas emoções, muitas baladas, muitas amizades, muitas gurias, muitos lugares conhecidos, para apenas 4 dias. Um parênteses para um momento especial. Que me desculpe a união sinistra entre as torcidas irmãs de São Paulo e Internacional de Porto Alegre, eu sempre respeitarei o clube Internacional e sua torcida, mas a nossa ida a um jogo do Grêmio de Football Portoalegrense mexeu para sempre com o meu lado torcedor. Pude presenciar tudo o que sempre quis que a torcida do meu time fizesse em uma partida de futebol, apoiar o time os 90 minutos, cantando como um autêntico barra brava sulamericano. Depois desse dia, além de torcedor do tricolor paulista, me tornei também um torcedor do tricolor de porto alegre, e sempre estarei com a torcida alma castellana, para o que der e vier, claro, a não ser quando joguem contra o meu querido e glorioso São Paulo Futebol Clube.
Regressei mais três vezes para POA desde então, muitas outras maravilhosas experiências, mas acho que são causos que devem ser contados em um outro espaço, quem sabe em um outro blog. Conheci outras cidades do Rio Grande do Sul, como Canoas e Santo Angelo, também na trip Born, e o litoral de Atlântida, na virada deste ano. Todos eles lugares fabulosos. Por fim, sempre quando me despeço de POA, não falo tchau, não digo adeus, mas sim, até breve, até logo, porque sei que vou voltar. Acho que encontrei o meu lugar no mundo, as vezes penso que meu destino esta lá. A ver.
Capaz, já ia me esquecendo do mais importante Tche, parafraseando o slogan deles, a melhor é de la...Ah, cerveja Polar, só quem já bebeu sabe como tu es riquíssima! 
Recomendo a todos(as) que visitem e conheçam este maravilhoso estado brasileiro, e claro sua jóia preciosa chamada carinhosamente de POA.


Marcel Sigrist Somenzari

21 - Porto Alegre: grutas, gurias, guaíbas e grenais.

25/05/2010


    Logo pela manhã, Vlad telefonou dizendo que estava chegando. Aguardei-o em frente ao hotel. Esperamos nosso companheiro acomodar suas coisas no quarto e munidos do mapa da cidade organizamos rapidamente um roteiro verde-futebolístico que contemplaria a visita aos estádios de futebol da dupla GRENAL (Grêmio e Internacional) e um rolê pela beira do rio Guaíba e pelos parques que o margeiam. Saímos da Avenida Júlio de Castilhos e seguimos pela Mauá, que depois muda de nome, primeiro pra Presidente João Goulart, depois pra Edvaldo Pereira Paiva. A larga e longa avenida fica à beira do rio Guaíba, um dos símbolos maiores de Porto Alegre, e vai fazendo curvas, acompanhando o curso da água. Em algumas partes o rio é pura imensidão; em outras, mais estreito; em todas as partes, porém, a água me pareceu bem escura, certamente um pouco suja. Passamos pela antiga Usina do Gasômetro, que hoje é um grande centro cultural, passeamos pelos parques. Tudo é muito bonito e conservado nessa parte de Porto Alegre. O dia estava relativamente ensolarado, evidenciando ainda mais a beleza dali.


Marcel e o Guaíba

     Seguimos a pé até o estádio Beira-Rio, do Internacional. Vlad, colorado desde criança, pôde matar a vontade de conhecer a sede do seu time de coração. Fizemos a visita guiada pelas dependências do clube. Confesso que eu estava desconfortável e contrariado naquele lugar. Não tinha engolido a vitória do segundo time de Porto Alegre sobre o Estudiantes pela Taça Libertadores da América, partida que havíamos assistido em Quilmes, na Argentina. Além disso, os colorados odeiam meu Corinthians quase tanto quanto odeiam o Grêmio. Não dá pra ficar à vontade na casa de um inimigo assim, tão declarado.


O estádio Gigante da Beira-Rio.

     Fizemos um lanche. Vlad quis esperar pra tentar assistir o treino do Inter. Eu e Marcel tínhamos algo melhor pra fazer: conhecer o estádio Olímpico Monumental, a casa do Grêmio, disparadamente o primeiro time do Rio Grande do Sul. Conseguimos ver o treino do tricolor de Porto Alegre e visitar o museu gremista, mas não entramos no estádio. Na noite seguinte haveria jogo do Grêmio contra o Avaí e poderíamos conhecê-lo. Então compramos ingressos, pois não perderíamos essa chance, jamais.
      Ah, tarde vazia de céu limpo, de vento calmo, de clima frio. Tudo combinava muito com a ideia que eu tinha de Porto Alegre. E combinava muito com o azul do Grêmio, clube que particularmente me agradou muito conhecer, muito mais que o Internacional. Pela localização do seu estádio, num bairro mais tranquilo; por ser considerado irmão do Racing por parte da torcida; pelo fato de eu gostar mais do azul que do vermelho; enfim, por que aprendi de uns tempos pra cá a desgostar do Inter mesmo. Chega de desculpas. E devo mencionar, claro, que o primeiro GRENAL da história terminou 10 a 0 pro Grêmio.


O tri-belo estádio Olímpico Monumental, sob o céu azul de POA.

     Voltamos pro hotel de ônibus. Paramos no tradicional mercado público, lotado àquela hora, e tomamos uma cerveja Polar, a nº 1 de Porto Alegre. As gurias da capital gaúcha não me pareceram tão bonitas quanto as do interior. Comentei isso com o garçom bigodudo da churrascaria em frente o hotel que me respondeu: “gurias são gurias e macho que é macho não escolhe, tchê”.


Porto Alegre.

    
     À noite nos encontramos finalmente com as meninas de Porto Alegre que havíamos conhecido no show de tango do Café Tortoni, em Buenos Aires. Era média madrugada quando terminamos o último chopp num dos pubs da Rua Padre Chagas. Nos despedimos das novas amigas e ficamos os três (eu, Vlad e Marcel) parados na esquina, decidindo o que fazer com resto da noite. Dois nomes martelavam em nossas cabeças como opções de alta madrugada: La Barca e Gruta Azul, os dois puteiros mais famosos de Porto Alegre. Ir à capital gaúcha solteiro e não conhecer um desses lugares não seria algo normal e nossa ideia, sinceramente, era irmos de boa, só pra conhecer. O motorista do táxi nos ajudou a optarmos pelo Gruta Azul, dizendo que as gurias de lá eram mais tops.
    A entrada custou noventa reais e dava direito a quatro garrafinhas de long neck. A decoração do lugar fazia com que ele parecesse mais uma balada que um puteiro. As mulheres que trabalham ali são realmente de outro mundo, todas modelos. Não vou detalhar muito as ocorrências da noite, mas garanto que não gastei um tostão a mais do que os R$ 90,00 da entrada, ou seja, fiquei realmente de boa. Vlad, ao contrário, no momento em que eu achava que iríamos embora, acabou conquistado por uma das modelos e encarou pagar mais de 300 reais por uma hora de prazer. Fiquei puto com aquilo porque não estava a fim de esperar. Me despedi do Marcel, perguntei pro segurança da casa o rumo que eu teria que tomar pra chegar ao meu destino e fui embora a pé pro hotel, rasgando a Avenida Farrapos, cruzando com putas, travestis, malandros, ladrões. No caminho todo, que durou mais de trinta minutos, apenas um traveco mexeu comigo, se oferecendo. Mandei ele/ela se fuder e segui em frente. Andar sozinho pela noite de Porto Alegre para pelo menos tentar vivenciar no nível mínimo do real as coisas que eu tinha lido e ouvido sobre a madrugada daquela cidade era quase obrigação, independentemente do risco que isso envolvia. No dia seguinte, quando contei pra um taxista a caminhada que eu havia feito na noite anterior ele falou que aquilo era ato de quem não tinha amor à vida. Exagero , com certeza.


Anoiteceu em Porto Alegre
 Humberto Gessinger


Na escuridão
A luz vermelha do walkman
Sobre edifícios
A luz vermelha avisa aviões

Nas esquinas que passaram
Nas esquinas que virão
Verde, amarelo, vermelho
Espelho retrovisor

Anoiteceu em Porto Alegre
Anoiteceu em Porto Alegre

Na escuridão, só você ouve a canção
Eu vejo a luz vermelha do teu walkman
Sobre edifícios no 30º andar
Uma flor vermelha nasceu

Nas esquinas que passaram
Nas esquinas que virão
Há sempre alguém correndo
Fugindo da Hora do Brasil

Anoiteceu em Porto Alegre
Anoiteceu em Porto Alegre

Na zona sul existe um rio
Nesse rio mergulha o sol
E ar de fins de tarde, de luz vermelha
De dor vermelha, vermelho anil

Atrás do muro existe um rio
Que na verdade nunca existiu
Mas ar de fins de tarde, de luz vermelha
De dor vermelha, vermelho anil

Aconteceu a meia-noite
Anoiteceu em Porto Alegre
Aconteceu a noite inteira
Aconteceu em Porto Alegre

Quinze pras duas, ruas escuras
Quem tem o mapa, qual é a direção?
Duas e meia, castelos de areia
Cabelos castanhos, estranhos sinais

Já passa das três, pela última vez
De hoje em diante, só uísque escocês
Cinco da manhã, nada diferente
Chegamos finalmente ao dia de amanhã

Eu trago comigo os estragos da noite
Eu trago comigo os estragos da noite
Eu trago comigo os estragos da noite
Escondo meu rosto entre escombros da noite

Um ditador deposto, marcas no rosto
Um gosto amargo na boca
Uma certeza, só uma certeza
Da próxima vez, só uísque escocês

Duas fichas telefônicas, um telefone que não para de tocar
Ninguém atende, eu não entendo
Tão fazendo onda, tão fazendo charme
E um alarme de carro que não para de tocar

Eu trago comigo os estragos da noite
Eu trago comigo os estragos da noite
Eu trago comigo os estragos da noite
Não nego, não nego, não

Uma canção no rádio, uma versão mal traduzida
Um pastor exorciza no rádio de um táxi
Uma certa impressão, uma certeza imprecisa
Quem não precisa de uma versão, uma tradução?

Um ditador deposto, marcas no rosto
Um gosto amargo na boca
E a certeza de que o último dia de dezembro
É sempre igual ao primeiro de janeiro

Eu trago comigo os estragos da noite
Eu trago comigo os estragos da noite
Eu trago comigo os estragos da noite
Meu reino por um rosto, pelo resto da noite

Noites que passaram, noites que virão
Noites que passamos lado a lado em solidão
Noites de inverno, noites de verão
Noites que viramos esperando o sol nascer

Esperando amanhecer
Esperando o sol nascer

Amanheceu em Porto Alegre
Amanheceu em Porto Alegre
Amanheceu em Porto Alegre
Amanheceu

(Seis horas, quinze minutos, zero segundo)
Recomeça tudo lá fora

Here comes the sun
The sun is the same in the relative way
But you are older


(Seis horas, quinze minutos, zero segundo)
Recomeça tudo lá fora
Nas esquinas, nas escolas
Um litro de leite
Meio quilo de pão




(Seis horas, quinze minutos, zero segundo)
Recomeça tudo lá fora, neguinho da Zero Hora
Vende manchetes, quinze pras sete da manhã
Nada diferente, chegamos finalmente
Ao dia de amanhã em Porto Alegre

20 - Em paz com meu país


24/05/2010

     É impressionante como o brasileiro desvaloriza o Brasil. Eu, que já fui aspirante a intelectual de esquerda (isso é parte do meu passado, graças a Deus), sempre critiquei essa auto desvalorização. Fácil constatar o quanto sou contraditório. Mas não tem problema, essas constatações negativas sobre mim mesmo até tempos atrás me deprimiam, hoje não me deprimem mais. Vejo que não sou muito diferente dos outros. Cada um com suas mazelas. Cada um que aprenda a lidar com elas. Poço de contradição. Eu mesmo. Sobre paradoxos e contradições, falou com maestria Humberto Gessinger (já que estamos chegando a Porto Alegre é bom ir falando um pouco dele) na canção “Canibal vegetariano devora planta carnívora”. Só o título em si já é paradoxal. A letra toda da canção é, como ele mesmo diz, “o supra sumo da contradição”. Desculpem minhas frases meio soltas, esse estilo diferente. A insônia produz essas pérolas. Veja você: uma e quarenta da manhã, quarta-feira, dia 12 de janeiro, mais uma vez estou aqui, no apê em Ribeirão, sem conseguir dormir. Pelo menos agora tenho um notebook pra me distrair, e resolvi me redimir com o Brasil dessa forma torta e surreal.

     O fato concreto é que quando saímos de Punta del Este rumo ao norte, em 24 de maio de 2010, algo estranho se deu dentro de mim. Dali a algumas horas estaríamos no Brasil e veio à tona uma saudade reprimida, um arrependimento e uma consciência tardios em relação às injúrias que andei fazendo ao meu país, declarando-me torcedor de uma seleção estrangeira, super admirador de outras culturas. Na mala eu carregava uma camisa da seleção do Paraguay, comprada durante a viagem; uma camisa da seleção da Argentina, trazida do Brasil; uma bandeira do Chile comprada em Viña del Mar; uma camisa celeste da seleção uruguaya, que eu compraria logo mais, em Chuy. A camisa da seleção brasileira, porém, eu não carregava. Justamente a camisa amarela (cor tão energizante, segundo a cromoterapia, e tão recomendada a sujeitos com tendência depressiva, como eu) não estava dentro da minha mala, pois eu não a possuía, nunca comprei uma e naquele momento, apesar de fazer toda uma reflexão de remorso, eu não pensava em comprá-la. Hoje penso muito em fazê-lo.

     De onde vem o desamor que sinto pela Seleção brasileira? Nem eu sei ao certo. Sei que futebol pra mim é guerra, então sempre preferi a cara feia de um Simeoni do que o riso de dentes tortos de um Ronaldinho Gaúcho (aliás, tomara que ele e o Flamengo, seu novo clube, se FODAM). Sempre preferi Maradona (e seus amigos e/ou ídolos esquerdistas, Che Guevara, Hugo Chavéz, Fidel Castro) a Pelé (e seu estilo "em cima do muro"); a tradicional raça e malícia argentina às firulas ingênuas dos brasileiros. O que fazer? Não é questão de escolha, mas sim de gosto e de identificação.
     A primeira Copa do Mundo que assisti e da qual me lembro com detalhes foi a de 1990, na Itália. Naquela ocasião, o Brasil foi eliminado nas oitavas de final pela Argentina. Maradona flutuou no meio campo, em meio a quatro brasileiros que o marcavam e passou a bola a Caniggia, que meteu pro gol. Logo após a partida, saí na rua para jogar bola com os moleques da vizinhança. Todos queriam ser o Careca, o Müller (apesar da derrota). Eu queria ser Maradona ou Caniggia. Não sei porque, mas desde que vi o álbum de figurinhas daquela Copa, as cores da Argentina me fascinaram. De 1990 pra cá, não consegui mais torcer por outra seleção. Maradona me conquistou, como a tantos outros. Infelizmente?! Inexplicável?! O que me alenta é que não sou só eu.

     O fato de não conseguir torcer pra seleção verde-amarela (e isso é mesmo um fato consumado, não há como mudar), não me faz menos brasileiro nem me obriga a desgostar do Brasil em outras áreas. Pois bem, nem sempre isto esteve claro pra mim mesmo, mas agora está, e quero que fique claro para os outros também: só torço contra o Brasil no futebol. No mais, sou brasileiro. Antes de brasileiro, porém, sul-americano, sentimento nascido da busca  por uma ideologia (Cazuza, eu também quero uma ideologia pra viver), mas que hoje não é mais questão disso. É questão de sentimento mesmo. Afinal, somos todos hermanos.

     A cidade de Chuy, no Uruguay, é separada apenas por uma avenida da cidade de Chui, no Brasil. Basta atravessá-la para passar pro outro país. Marcel parou o carro no estacionamento de um Free Shop, no lado uruguayo. Desci, parei em frente a avenida que separa os dois países, vi uma agência do Bradesco do lado de lá. O coração deu uma disparada, os olhos lacrimejaram de felicidade e arrependimento. Que vontade de te pedir perdão, pátria mãe gentil. Sou brasileiro, escreve aí! Sou brasileiro, sim senhor! Deixei o Marcel no Free Shop procurando um molinete de vara de pescar que seu pai lhe pedira para dar de presente a um colega, atravessei a avenida balbuciando uma oração. Cumprimentei o segurança do banco com um “bom dia” baixo, meio engasgado, entrei no banco, saquei uma centena de reais. Peguei o celular e falei com a minha mãe, há dias não nos comunicávamos. Entre outras coisas, eu disse “fica tranquila, fora a gripe equestre que bate à minha porta, estou bem”. Ela não entendeu, mas como está acostumada a não entender parte das bobagens que falo, nem perguntou mais nada.

     As mães sempre perdoam os filhos. A pátria mãe não seria diferente. Logo me senti perdoado e a vontade. E agora já posso descrever melhor o que se passou no trajeto de Punta del Este até Porto Alegre, o trecho mais longo da viagem.

     A chuva nos acompanhou durante quase toda a jornada. Quando chegamos a Chuy/Chuí caía um chuvisco chato, frio. Andamos pelos Free Shops da parte uruguaya para fazer as últimas compras no estrangeiro. Acho que a única coisa que comprei foi a camisa da seleção uruguaya, que ali estava bem mais barato. Almoçamos, ainda do lado de lá. Passava um programa esportivo na televisão cujas notícias de maior destaque eram a permanência do Gimnasia y Esgrima De La Plata na primeira divisão do futebol argentino e a queda do Rosário Central à segunda divisão (em seu lugar subira o All Boys, time preto e branco do bairro Floresta, Buenos Aires).
     Partimos pra Porto Alegre logo após o almoço. Mais de 500 km separavam a cidade mais meridional do Brasil da capital gaúcha. A aduana Brasil/Uruguay é uma piada. Nem ao menos nos fizeram parar para pedir documentos. A chuva insistia em cair impiedosamente, a estrada de pista simples estava perigosa, em alguns trechos haviam muitos caminhões. Paramos em Pelotas para abastecer o carro, já era noite. Pouco antes, na estrada, Marcel me deu um susto, fingindo que o carro estava falhando. Filho-da-puta.
     Quando chegamos em Porto Alegre já não chovia, mas estava muito frio. Configurei as definições do GPS de modo que ele nos levasse até o centro da cidade e logo achamos um hotel entre o mercado central e a rodoviária. Fechamos um quarto pra três, já que o Vlad (aquele cara de Porto Velho que conhecemos em Buenos Aires, que foi pro Uruguay de ônibus pra nos acompanhar na viagem...) logo viria de Montevideo para seguir na Trip junto conosco. Telefonamos para umas gaúchas que havíamos encontrado em Buenos Aires e acertado de nos vermos em Porto Alegre marcando o encontro pro outro dia, pois estávamos acabados. Jantamos numa churrascaria em frente ao hotel e na sequência dormimos o contraditório sono dos justos.


Canibal vegetariano devora planta carnívora
Humberto Gessinger / Augusto Licks

eu tive um pesadelo
tive medo de não acordar
do alto de uma torre
eu vi a terra
em transe profundo
todo mundo era poeta
todo mundo era atleta
todo mundo era tudo
"DO IT YOURSELF", diziam
"O CÉU É O LIMITE", acredite
é um pesadelo
não consigo acordar
eu tive um pesadelo
tive medo de não acordar
eram várias variáveis
um vírus voraz no computador
sem rumo:
na contramão do fim da história
em resumo:
o sonho é OVER (OVERNIGHT)
é um pesadelo
não consigo acordar
O SUPRA SUMO DA CONTRADIÇÃO
clichês inéditos
déja vu nunca visto
esquerda light
diet indigestão
jagunço hi-tech
perua low profile
cabelo vermelho Ferrari
jóia rara para a multidão
eu tive um pesadelo
tive medo de não acordar
tudo andava tão caído...
eu andava por aí
sem rumo:
sem rima nem refrão
em resumo:
não tive culpa nem perdão
eu tive um pesadelo
tive medo quando acordei
tudo faz sentido
agora que tudo acabou
o céu andava meio caído
antes mesmo de desabar
turistas vorazes
(voyeur)
levavam pra casa
desertos e oásis num vídeo k7
anjos em queda livre
o céu abaixo do nível do mar

foi só um pesadelo
um peso pesado caído na lona
! o castelo de areia desmorona !
(paz na terra em transe profundo)
foi só um pesadelo
paz
na terra
em transe
profundo
(CONTRA A TRADIÇÃO: A CONTRADIÇÃO)
overdose homeopática
ode ao que se fode
humildade
(com "H" maiúsculo e dourado)
enfant terrible veterano
calendário eterno
fuso anti-horário
luz difusa
confusa explicação
tara relax
safe sex
disneylândia dândi
(a grande guerra)
pantanal new age
bacanal cristão
fanatismo indeciso
fanática indecisão

em resumo:
ET CETERA e tal...