25/05/2010
Logo pela manhã, Vlad telefonou dizendo que estava chegando. Aguardei-o em frente ao hotel. Esperamos nosso companheiro acomodar suas coisas no quarto e munidos do mapa da cidade organizamos rapidamente um roteiro verde-futebolístico que contemplaria a visita aos estádios de futebol da dupla GRENAL (Grêmio e Internacional) e um rolê pela beira do rio Guaíba e pelos parques que o margeiam. Saímos da Avenida Júlio de Castilhos e seguimos pela Mauá, que depois muda de nome, primeiro pra Presidente João Goulart, depois pra Edvaldo Pereira Paiva. A larga e longa avenida fica à beira do rio Guaíba, um dos símbolos maiores de Porto Alegre, e vai fazendo curvas, acompanhando o curso da água. Em algumas partes o rio é pura imensidão; em outras, mais estreito; em todas as partes, porém, a água me pareceu bem escura, certamente um pouco suja. Passamos pela antiga Usina do Gasômetro, que hoje é um grande centro cultural, passeamos pelos parques. Tudo é muito bonito e conservado nessa parte de Porto Alegre. O dia estava relativamente ensolarado, evidenciando ainda mais a beleza dali.
Seguimos a pé até o estádio Beira-Rio, do Internacional. Vlad, colorado desde criança, pôde matar a vontade de conhecer a sede do seu time de coração. Fizemos a visita guiada pelas dependências do clube. Confesso que eu estava desconfortável e contrariado naquele lugar. Não tinha engolido a vitória do segundo time de Porto Alegre sobre o Estudiantes pela Taça Libertadores da América, partida que havíamos assistido em Quilmes, na Argentina. Além disso, os colorados odeiam meu Corinthians quase tanto quanto odeiam o Grêmio. Não dá pra ficar à vontade na casa de um inimigo assim, tão declarado.
O estádio Gigante da Beira-Rio.
Fizemos um lanche. Vlad quis esperar pra tentar assistir o treino do Inter. Eu e Marcel tínhamos algo melhor pra fazer: conhecer o estádio Olímpico Monumental, a casa do Grêmio, disparadamente o primeiro time do Rio Grande do Sul. Conseguimos ver o treino do tricolor de Porto Alegre e visitar o museu gremista, mas não entramos no estádio. Na noite seguinte haveria jogo do Grêmio contra o Avaí e poderíamos conhecê-lo. Então compramos ingressos, pois não perderíamos essa chance, jamais.
Ah, tarde vazia de céu limpo, de vento calmo, de clima frio. Tudo combinava muito com a ideia que eu tinha de Porto Alegre. E combinava muito com o azul do Grêmio, clube que particularmente me agradou muito conhecer, muito mais que o Internacional. Pela localização do seu estádio, num bairro mais tranquilo; por ser considerado irmão do Racing por parte da torcida; pelo fato de eu gostar mais do azul que do vermelho; enfim, por que aprendi de uns tempos pra cá a desgostar do Inter mesmo. Chega de desculpas. E devo mencionar, claro, que o primeiro GRENAL da história terminou 10 a 0 pro Grêmio.
O tri-belo estádio Olímpico Monumental, sob o céu azul de POA.
Voltamos pro hotel de ônibus. Paramos no tradicional mercado público, lotado àquela hora, e tomamos uma cerveja Polar, a nº 1 de Porto Alegre. As gurias da capital gaúcha não me pareceram tão bonitas quanto as do interior. Comentei isso com o garçom bigodudo da churrascaria em frente o hotel que me respondeu: “gurias são gurias e macho que é macho não escolhe, tchê”.
À noite nos encontramos finalmente com as meninas de Porto Alegre que havíamos conhecido no show de tango do Café Tortoni, em Buenos Aires. Era média madrugada quando terminamos o último chopp num dos pubs da Rua Padre Chagas. Nos despedimos das novas amigas e ficamos os três (eu, Vlad e Marcel) parados na esquina, decidindo o que fazer com resto da noite. Dois nomes martelavam em nossas cabeças como opções de alta madrugada: La Barca e Gruta Azul, os dois puteiros mais famosos de Porto Alegre. Ir à capital gaúcha solteiro e não conhecer um desses lugares não seria algo normal e nossa ideia, sinceramente, era irmos de boa, só pra conhecer. O motorista do táxi nos ajudou a optarmos pelo Gruta Azul, dizendo que as gurias de lá eram mais tops.
A entrada custou noventa reais e dava direito a quatro garrafinhas de long neck. A decoração do lugar fazia com que ele parecesse mais uma balada que um puteiro. As mulheres que trabalham ali são realmente de outro mundo, todas modelos. Não vou detalhar muito as ocorrências da noite, mas garanto que não gastei um tostão a mais do que os R$ 90,00 da entrada, ou seja, fiquei realmente de boa. Vlad, ao contrário, no momento em que eu achava que iríamos embora, acabou conquistado por uma das modelos e encarou pagar mais de 300 reais por uma hora de prazer. Fiquei puto com aquilo porque não estava a fim de esperar. Me despedi do Marcel, perguntei pro segurança da casa o rumo que eu teria que tomar pra chegar ao meu destino e fui embora a pé pro hotel, rasgando a Avenida Farrapos, cruzando com putas, travestis, malandros, ladrões. No caminho todo, que durou mais de trinta minutos, apenas um traveco mexeu comigo, se oferecendo. Mandei ele/ela se fuder e segui em frente. Andar sozinho pela noite de Porto Alegre para pelo menos tentar vivenciar no nível mínimo do real as coisas que eu tinha lido e ouvido sobre a madrugada daquela cidade era quase obrigação, independentemente do risco que isso envolvia. No dia seguinte, quando contei pra um taxista a caminhada que eu havia feito na noite anterior ele falou que aquilo era ato de quem não tinha amor à vida. Exagero , com certeza.
Anoiteceu em Porto Alegre
Humberto Gessinger
Na escuridão
A luz vermelha do walkman
Sobre edifícios
A luz vermelha avisa aviões
Nas esquinas que passaram
Nas esquinas que virão
Verde, amarelo, vermelho
Espelho retrovisor
Anoiteceu em Porto Alegre
Anoiteceu em Porto Alegre
Na escuridão, só você ouve a canção
Eu vejo a luz vermelha do teu walkman
Sobre edifícios no 30º andar
Uma flor vermelha nasceu
Nas esquinas que passaram
Nas esquinas que virão
Há sempre alguém correndo
Fugindo da Hora do Brasil
Anoiteceu em Porto Alegre
Anoiteceu em Porto Alegre
Na zona sul existe um rio
Nesse rio mergulha o sol
E ar de fins de tarde, de luz vermelha
De dor vermelha, vermelho anil
Atrás do muro existe um rio
Que na verdade nunca existiu
Mas ar de fins de tarde, de luz vermelha
De dor vermelha, vermelho anil
Aconteceu a meia-noite
Anoiteceu em Porto Alegre
Aconteceu a noite inteira
Aconteceu em Porto Alegre
Quinze pras duas, ruas escuras
Quem tem o mapa, qual é a direção?
Duas e meia, castelos de areia
Cabelos castanhos, estranhos sinais
Já passa das três, pela última vez
De hoje em diante, só uísque escocês
Cinco da manhã, nada diferente
Chegamos finalmente ao dia de amanhã
Eu trago comigo os estragos da noite
Eu trago comigo os estragos da noite
Eu trago comigo os estragos da noite
Escondo meu rosto entre escombros da noite
Um ditador deposto, marcas no rosto
Um gosto amargo na boca
Uma certeza, só uma certeza
Da próxima vez, só uísque escocês
Duas fichas telefônicas, um telefone que não para de tocar
Ninguém atende, eu não entendo
Tão fazendo onda, tão fazendo charme
E um alarme de carro que não para de tocar
Eu trago comigo os estragos da noite
Eu trago comigo os estragos da noite
Eu trago comigo os estragos da noite
Não nego, não nego, não
Uma canção no rádio, uma versão mal traduzida
Um pastor exorciza no rádio de um táxi
Uma certa impressão, uma certeza imprecisa
Quem não precisa de uma versão, uma tradução?
Um ditador deposto, marcas no rosto
Um gosto amargo na boca
E a certeza de que o último dia de dezembro
É sempre igual ao primeiro de janeiro
Eu trago comigo os estragos da noite
Eu trago comigo os estragos da noite
Eu trago comigo os estragos da noite
Meu reino por um rosto, pelo resto da noite
Noites que passaram, noites que virão
Noites que passamos lado a lado em solidão
Noites de inverno, noites de verão
Noites que viramos esperando o sol nascer
Esperando amanhecer
Esperando o sol nascer
Amanheceu em Porto Alegre
Amanheceu em Porto Alegre
Amanheceu em Porto Alegre
Amanheceu
(Seis horas, quinze minutos, zero segundo)
Recomeça tudo lá fora
Here comes the sun
The sun is the same in the relative way
But you are older
(Seis horas, quinze minutos, zero segundo)
Recomeça tudo lá fora
Nas esquinas, nas escolas
Um litro de leite
Meio quilo de pão
(Seis horas, quinze minutos, zero segundo)
Recomeça tudo lá fora, neguinho da Zero Hora
Vende manchetes, quinze pras sete da manhã
Nada diferente, chegamos finalmente
Ao dia de amanhã em Porto Alegre
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