República Oriental do Uruguay – recebe esse nome por ficar do lado oriental, do lado leste do rio Uruguay. Pelo que percebi, do ponto de vista futebolístico, alguns uruguayos tem mais rixa com o Brasil do que com a Argentina, outros o contrário. Vale lembrar que em 1821 Portugal anexou aquele país ao Brasil, dando-lhe o nome de província Cisplatina, e que eles só conseguiram se libertar definitivamente em 1828, sempre contando com o apoio militar e político da Argentina. Certo dia me disseram (um uruguayo que vivia no Brasil há alguns anos, com o qual conversei no Bar do Zinho) que o Uruguay poderia ser classificado, de modo bem grosseiro, como a mistura de dois países, 80% Argentina, 20% Brasil. Discordei dele na hora, e após conhecer aquele país, discordo mais ainda. Tem muitas semelhanças com a Argentina, é verdade. Um pouco de influência do Brasil também, certo. Mas simplificá-lo como aquele sujeito o fez seria um atentado à identidade de um povo tão patriota e que possui características tão próprias.
Ainda em 21/05/2010, breve parada em Colonia del Sacramento.
Sinceramente não tenho muito que comentar sobre a travessia do rio da Prata através do Buquebus. Legal e apavorante ver aquele monte de água (o estuário do rio da prata é quase um mar) ao redor? Sim. Modernas e confortabilíssimas as dependências internas da super balsa? Sim. E só. Pra mim não faria a menor diferença ir para o Uruguay por via terrestre, através de uma das pontes que ligam os dois países, até porque ficaria muito mais barato. Mas enfim, chegamos à cidade de Colônia del Sacramento no comecinho da tarde. Paramos o carro na rua mesmo e saímos andando pelas vielas de pedras e paralelepípedos da deslumbrante cidadezinha, algo parecida com Parati (ou Paraty), segundo Marcel, mas menor e mais aconchegante.
Tudo ali faz lembrar um tempo que ficou pra trás: as ruazinhas, algumas sem saída; as casas antigas, cujas portas e janelas dão direto pra calçada; a torre de pedras, antigo farol a guiar os marinheiros; as prainhas calmas, à margem do rio; os cafés e restaurante simples, com mobília antiga...
Colônia, assim como todo o Uruguay, foi alvo de constantes disputas entre portugueses e espanhóis. A cidade está situada num ponto extremamente estratégico, na margem norte do rio da Prata, de frente pra Buenos Aires. Essa localização ajuda a torna diferenciada. Pelo que ouvi de uma guia que conduzia um grupo de turistas (e confirmei depois), a arquitetura do lugar possui elementos tanto portugueses (aliás foram os lusitanos que chegaram primeiro ali) quanto espanhóis.
Tomar um chá com torradas num daqueles cafés antigos foi muito especial. Seria melhor estar acompanhado de uma mulher, o brother certamente concorda comigo, inclusive comentamos isso na ocasião. Histórica, pacata, romântica...Assim é Colônia del Sacramento. Até que deu vontade de passar uma noite ali, mas não podíamos perder tempo e partimos pra Montevideo no final da tarde, chegando à capital uruguaya quando o céu já estava escuro.
Os barcos e o rio da Prata - Colonia
Colonia del Sacramento
Perto das 20h30, guiados pelo um tanto impreciso, porém, utilíssimo GPS comprado no Paraguay, paramos o carro em frente ao Hostel El Viajero, no bairro conhecido Ciudad Vieja, que deu origem à cidade de Montevideo, Fomos muito bem recebidos pelos funcionários (para mim, estar no Uruguay parecia mais familiar que que estar na Argentina ou no Chile, me senti absolutamente em casa falando com as pessoas) mas informados de que só havia vagas no outro hostel, de mesmo nome, no centro novo da cidade. Lá chegando soubemos que só havia vaga em quartos coletivos mistos, com homens e mulheres dormindo juntos. Achei que a experiência seria legal. Marcel, tenho que dizer isso, não ficou muito feliz e disse que já tinha passado da fase de achar bacana compartilhar quartos com pessoas estranhas.
Comemos peixe num restaurante próximo ao hostel, tomando cerveja Patrícia. A Norteña, marca conhecida no Brasil e apreciada por nós dois, não é encontrada facilmente por lá, serve mais pra exportação. De volta ao El Viajero, conhecemos André, um brasileiro que estivera no Chile fazendo intercâmbio e estava de passagem rápida por Montevideo. Após bate papo breve fomos dormir, pois o dia fora cansativo.
No quarto, além de mim e do Marcel, havia um argentino baixinho, extremamente simpático, comunicativo, nascido no bairro de Caballito, torcedor do Ferro Carril (era o segundo hincha desse clube que eu encontrava na viagem; impossível nessa hora não lembrar e não mencionar novamente el personaje Héctor, torcedor do Ferro também, que conheci em Mendoza, o primeiro argentino com quem conversei longamente e sem medo de errar); um casal que falava inglês, não lembro se os dois eram mesmo da Inglaterra ou de algum outro país; um casal de brasileiros. Marcel, ainda atacado pela gripe equestre que voltou com mais força, tossiu e roncou a noite toda. Arrancou reclamações exacerbadas do suposto inglês, mas nem ouviu, pois dormia sem culpa, adoecido até à alma, delirando, vendo cavalos por toda parte.
22/05/2010
Foi necessário muito esforço pra conseguir acordar cedo após a noite mal dormida. Mas minha conhecida teimosia/força de vontade (somada à tradicional raça uruguaya que pairava no ar) se fez valer mais uma vez e as oito e meia da manhã eu estava em pé. Após estudar brevemente o mapa detalhado da capital uruguaya que tinha nas mãos, tracei mais ou menos o roteiro que iria percorrer, botei a mochila nas costas e fui... Andei errante pela Ciudad Vieja até chegar bem próximo da zona portuária. Fui até o tradicional mercado central, um tanto pequeno mas bastante interessante. Cheguei ao caçadão à beira-rio (tipo os calçadões das praias brasileiras), que eles chamam de Rambla. O céu estava limpo, azul, a temperatura agradável. Alguns homens pescavam. Perguntei pra um deles se a água dali era salgada ou doce, se aquilo era mesmo um rio (o rio da Prata), ou se já era mar. Ele disse que ali ainda tinha muita água doce, misturada com a água salgada, é claro, e que poderia ser qualquer uma das duas coisas, rio ou mar, mas oficialmente era classificado como rio. OK, disso eu já sabia, mas sempre vale a pena uma conversa no estrangeiro, mesmo que ela não te traga informações novas.
A Rambla
Arrisquei uma corridinha pela rambla, mesmo com a hérnia inguinal (que cedo ou tarde eu teria que operar) me incomodando, mesmo com a mochila pesando um pouco nas costas. Como não correr num dia ensolarado, tendo o rio da Prata à direita e os prédios, alguns novos outros com o reboco caindo, da minha Montevideo à esquerda? Percorri uns 7 km até chegar a famosa Playa Pocitos. Andei pela areia, molhei os pés na água, tirei algumas fotos (a praia, sinceramente, me pareceu feia e suja) e parti pela Avenida Brasil, que corta o chique bairro de Pocitos, rumo ao Estádio Centenário de Montevideo, sede da primeira final de copa do mundo em 1930, quando o Uruguay foi campeão pela primeira vez
Pra chegar até o lendário Centenário tive que andar mais uma penca de kilometros. O estádio fica num complexo que além dele engloba uma pista oficial de atletismo, um parque, um velódromo, entre outras coisas. Foi complicado conseguir passar pra dentro. Andei em volta duas vezes até conseguir achar um dos acessos liberados, tentei entrar de fininho, mas um cara me barrou, falou que tinha que pagar. “No hay problema, cuánto cuesta?”, eu disse. Acho que paguei o equivalente a cinco reais. O estádio estava praticamente vazio, além de mim só havia mais um casal de visitantes. A pintura meio estragada e as poças d'agua por toda a beira do alambrado lhe davam um aspecto de abandono. Apesar disso o Centenário carrega toda uma história e foi muito legal estar ali, sentar nas arquibancadas que por tantas vezes, assistindo aos jogos da Libertadores pela TV, vi lotadas de torcedores do Peñarol ou do Nacional. Pena que o museu do futebol, anexo ao estádio, estava fechado.
Pracinha do Mercado
Estádio Centenário de Montevideo
Voltei ao hostel capengando pela Av. 18 de Julio, uma das principais, que corta o centro da cidade. Comprei frutas na feira, uma garrafinha de água que não durou nem dois minutos, um jornal. Cheguei ao hostel duas e meia da tarde. Devo ter andado no total, sem exagero, uns 20km. Eu estava quebrado, mais que exausto.
Meia hora depois Marcel chegou acompanhado do novo amigo André. Eles tinham ido conhecer o Estádio Centenário também, só que de taxi, Falei pra eles o quanto tinha caminhado, mostrando no mapa. Ele disse: “Brother, cê ta muuuito louco”. Disse ainda que já tinha pago um city tour pra nós cuja saída ocorreria as 16h30. Pensei, “porra, eu preferiria ficar dormindo, já fiz meu city tour”, mas, na raça, encarei nova jornada.E como valeu a pena. Obrigado por ter pago o city tour adiantado pra mim, Marcel!
Montevideo de Ignácio, Montevideo de Benedetti, Montevideo de todos nós!
O guia da excursão, um sujeito inteligentíssimo, culto e grande contador de piadas, nos apresentou sua Montevideo. Bairrista e patriota, falando um português impecável (de turistas só havia eu, Marcel e André, todos brasileiros), Ignácio nos mostrou e falou sobre o portal da praça da matriz (conservado ainda hoje), construído para proteger a cidade na época em que ali era o início dela; nos contou entusiamadamente sobre suas dezenas de idas ao belíssimo Teatro Solís; falou com propriedade e conhecimento sobre cada prédio, cada igreja, cada monumento em que parava pra nos mostrar; comentou sobre a rivalidade futebolística entre Brasil X Uruguay, Argentina X Uruguay, fazendo questão de deixar claro e comprovando com números e estatísticas duvidosas que La Celeste Olímpica (a seleção uruguaya) leva vantagem sobre os dois rivais. Passamos por vários bairros e novamente pela beira-rio e pelo Estádio Centenário. Cansei só de lembrar da caminhada que havia feito.
Há cerca de dois anos, num sábado de ócio depressivo, peguei minha moto e fui até a livraria Machado de Assis, em Araraquara. Comprei um volume da obra completa de Manuel Bandeira e resolvi escolher outro livro qualquer na estante. Achei um chamado “A borra de café”. O título me chamou a atenção e quando vi na orelha do livro que o autor se tratava de um uruguayo, resolvi levar. Confesso que até então não tinha ouvido falar de Mario Benedetti (um dos grandes escritores daquele país).
O livro é fantástico, foi escrito logo após Benedetti voltar do exílio e conta a história do garoto Cláudio, sua infância, sua adolescência, seus conflitos, etc. É um livro despretensioso, simples e nisso reside seu encanto. Impossível qualquer jovem nascido em qualquer parte do mundo não se identificar com as aventuras e desventuras do personagem principal. Impossível não se emocionar. Andando por Montevideo me lembrei de Claudio, da Rua e da Praça Capurro (onde ele brincava com os amigos), me lembrei de Mario Benedetti, falecido há pouco tempo. A Montevideo que ele mostra ali é uma cidade meio que provinciana, onde o progresso só estava começando a chegar.
Falei com Ignácio sobre a obra, mas ele não me deu muita trela. Disse gostar de Benedetti, mencionou o fato do escritor ter sido amigo particular de Fidel Castro e continuou a monologar sobre a Montevideo ultramoderna que, honestamente, só ele enxergava. Olhando pela janela da van, era possível ver progresso, modernidade, organização. Mas via-se também uma cidade envelhecida (como a própria população do Uruguay está ficando) e até mesmo decadente. E não há nisso problema algum, nem crítica. Há, ao contrário, charme e beleza.
Monumento
Um dos prédios mais altos do mundo, no início do século passado
André, a linda filha do dono da van (mala memoria), eu e Marcel
O teatro Solís
Aprendendo a tomar cerveja no bico
Depois de apreciar um asado bem meia boca proporcionado pelo churrasqueiro do hostel, um negro gente finíssima, dormi umas duas horas. Marcel me acordou dizendo que era hora de irmos pra balada. A boate ficava na Ciudad Vieja e fomos a pé mesmo, eu, Marcel, André, um outro brasileiro cujo nome não recordo, o Vlad (que tinha vindo de Buenos Aires de ônibus pra continuar nos acompanhando na Trip), quatro francesas (nenhuma falava espanhol e me pareceram um pouco arrogantes, exceto uma que me dedicou alguns olhares e risinhos) e o churrasqueiro, que tava bem tarado pelas moças.
Balada lotada. Fui comprar cervejas e estranhei quando não me entregaram copos. Olhei ao redor e vi que todos tomavam a garrafa de 600ml no bico, tal qual fazemos com as nossas long necks. Putz, vamos encarar então. Fiquei bêbado rápido, mas um bêbado relax, um bêbado da paz. Afinal, eu estava em Montevideo, hermano! Marcel que também ficou bêbado rápido, esbarrou numa menina que praguejou contra ele tudo quanto é tipo de palavrão em castellano. Ele soltou o verbo em português. Tive que separar, ajudado pelo churrasqueiro do hostel. Logo depois foi minha vez de arrumar confusão. No apertado banheiro da balada, ao tentar desviar dum cara que se olhava demoradamente no espelho, molhando o cabelo e ajeitando-o com as mãos, acabei derrubando a blusa de frio que estava pendurada em suas costas. O maluco quis brigar e eu falando “perdón, perdón” Sorte que outro cara apartou, evitando o boxe. Mas, de verdade, no mano a mano eu arrebentaria aquele sujeito. Nesse embate, que graças a Deus e a minha bebedeira paz e amor não ocorreu, daria Brasil.
Quando tive vontade de urinar novamente, e isso não demorou a acontecer, preferi ir na rua mesmo. O André e o Marcel, que também estavam apertados, vieram logo atrás. Quando estava acabando de consumar o ato, vi três caras vindo na nossa direção. Avisei aos brothers, “sujou, sujou” e saí de fininho. O André que estava re-borracho, sem noção, ficou mijando na frente dos caras, que na verdade eram guardas à paisana, e quase se ferrou. Marcel teve que usar de diplomacia para livrar nosso novo amigo de complicações maiores.
Antes de fecharmos a noite, passamos em outra boate que ficava em frente a que nós estávamos. Lotada também. No fim das contas, tirando as confusões em que quase nos metemos, a noite montevideana foi muito boa. Conversei com várias pessoas, principalmente com las chicas uruguayas e pude perceber que a maioria delas simpatiza muito com os brasileiros. Por toda a América do Sul, estamos bem na foto.
A estada em Montevideo me fez concluir definitivamente que pro tipo de viagem que gosto de fazer, hostel é muito melhor que hotel. Mesmo que tenha que ficar em quarto triplo, em quarto misto. Nos hostels você conhece pessoas interessantes e que estão a fim de fazer amizade. Se for pra Montevideo, fique no El Viajero. Não me pagaram pra fazer propaganda, mas faço mesmo assim, porque me gustó mucho quedarme allí.
23/05/2010
23/05/2010
Ressaca-guerra de manhã. Almoçamos pouco pra poupar nossos estômagos e fígados demasiadamente maltratados e partimos pra Punta del Este. Viagem curta. Depois de hora e meia estávamos na famosa cidade litorânea, cidade dos cassinos. Ficamos na filial do El Viajero Hostel de Punta. Dormimos aquele sono dos justos. A tarde estava chuvosa, não valia a pena colocar em risco a saúde. A gripe equestre já me rondava, esperando a resistência cair pra atacar.
À noite, a chuva passou. Andamos pela cidade, na beira do mar, onde há cassinos, hotéis e restaurantes chiques. Jantamos num restaurante caríssimo, merecíamos algo assim.
Voltamos pro hostel com ideia de tomarmos duas cervejas ali mesmo e dormirmos, mas surgiram de repente duas brasileiras (lembra o nome delas, Marcel?) e nos chamaram para sair. Elas tinham alugado um carro, não pudemos nos negar a acompanhá-las. Fomos a um pub, o Mobidick. Nos divertimos bastante, as meninas eram boas de conversa. Encontramos uns chilenos também, torcedores do Universidad de Chile. Agradeci por terem desclassificado o Flamento da Libertadores.
No final da noite, quando estávamos indo embora, uma das meninas levou um tombo colossal da escada que dava acesso ao segundo piso do bar. Marcel a carregou no colo até o carro. Essa foi a cena mais romântica da viagem, pra finalizar nossa passagem pelo belo país situado ao sul do Brasil, na banda oriental do rio Uruguay.
Muito legal o Blog, Fábio! Parabéns! Bora tomar uma breja gelada pra você terminar de contar os causos, abraço!
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